01 fevereiro 2007

A propósito do regicídio

há uma excelente (lá estou eu a fazer propaganda da família..) descrição dos acontecimentos dessa tarde, da autoria de Eduardo de Noronha, que foi publicada na revista Serões, de Fevereiro de 1908.
De acordo com o relato nada fazia prever o que iria acontecer:
“A tarde, uma d’essas tardes de inverno, cheias de sol e tepidas, que são um encanto no nosso paiz dava alegria á vida. (...)
As carruagens partiram a trote curto pela rua occidental do Terreiro do Paço e as differentes pessoas, que iam e vinhamao longo da arcada e pelos passeios, tiravam respeitosamente o chapeu a que o rei correspondia”
mas afinal...
“... o cocheiro tomou um pouco o governo da parelha para descrever a curva e entrar na rua do Arsenal. N’esse momento um dos regicidas, o Manuel Buiça, que calculara muito bem o itinerario que os trens deviam percorrer, affastou-se d’um kiosque pintado de verde, que fica mesmo dentro da arcada, tirou de debaixo do varino a carabina Manlicher com que se munira, e sereno, com o sangue frio e a força de vontade peculiar aos fanaticos, (...) e apontou. Pôde visar D. Carlos á sua vontade; ninguém o via, todos os olhos se fixavam no prestito que ia desfilando. Bem certo de que o tiro não falharia puxou pelo gatilho e a bala, desfechada quasi á queima roupa, penetrou no pescoço do monarcha e esphacelou-lhe as vertebras cervicaes.
A morte fôra instantanea. (...)”
mas não fica por aqui a trágica história, apenas atenuada pelo extraordinário papel da rainha:
“A rainha, estupefacta, com o pasmo horroroso de aquelle ataque sanguinario pusera-se de pé, de salto, e, com o mesmo ramo de flores com que ha pouco alguem lhe saudar a chegada e lhe desejara as boas vindas quis repellir a medonha e crua agressão. Manuel Buiça, ou cego pela nuvem vermelha que lhe toldava o cerebro, ou dominado por um inexplicavel requinte de desatino, ajoelhou, e, com o mesmo socego da primeira vez apontou para o principe que se levantara, como sua mãe e seu irmão, aturdidos, desvairados, não comprehendendo a terrivel realidade da acommetida e varou-o, entrando-lhe a bala pela face (...)
Ainda do lado direito da carruagem, isto é, da banda d’onde ia el-rei, o Alfredo Luiz da Costa, que depois de atirar sobre o sr. D. Carlos disparara sobre o principe real e sobre o infante D. Manuel, repellido em primeiro logar pela rainha, e cambaleando, ao ser lançado fora do landau (...)
A rainha, logo ao primeiro tiro, como dissemos, erguera-se no arranco instinctivo do amor materno em frente do perigo. Com a sua alta e elegante estatura, queria proteger quantos dos seus tinha ali.”
e termina com a descrição da grande homenagem feita pela população de Lisboa:
“Os livros, collocados n’uma das salas para registo dos nomes das pessoas que iam ao Paço apresentar os seus pesames, encheram-se quasi logo. Foi necessario accrescentar-lhes folhas supplementares. A grande maioria da população da capital, sem exxagerar, a quasi totalidade, inscreveu-se ali”
in “A Tragédia de Lisboa”, Serões, de Eduardo de Noronha
(o artigo tem 25 páginas e mais de 30 fotografias ou gravuras)

3 comentários:

Laurus nobilis disse...

Como já disse algures mais para trás, gosto mesmo do Eduardo de Noronha! E da família também...!

Laurus nobilis disse...

é também comovedora a grande homenagem que o povo de Lisboa prestou ao seu Rei... tirando Sidónio Pais, nenhum presidente da república teve nada parecido!

Nautilus disse...

São sempre muito interessantes e muito "vividos" os escritos de Eduardo de Noronha. Não se percebe porque está (foi) tão pouco divulgado.
E concordo que tem uma família simpática.