Em boa hora, a Espaço e Memória e a Aquastart estabeleceram
uma parceria que nos possibilitou uma visita ao Forte de São Lourenço da Cabeça
Seca, mais conhecido como Torre do Bugio. Como anfitriões, dois historiadores:
Joaquim Boiça e Fátima Barros.
A ideia de uma fortificação para a barra do rio Tejo,
destinada a proteger por via marítima a cidade de Lisboa, data do reinado de D.
Sebastião, tendo sido escolhido para a edificação o areal da Cabeça Seca (Cova
do Vapor / Trafaria), ou seja, um banco de areia formado pelo assoreamento da
foz do rio, na confluência com o Oceano Atlântico.
A sua função seria a de proporcionar fogo cruzado com a
antiga Torre de São Gião, actual Forte de São Julião da Barra, protegendo assim
as incursões de inimigos pelo lado direito do rio, já que o lado esquerdo
estava naturalmente protegido pela acumulação de areias.
Na sequência na batalha de Alcácer-Quibir e da
crise sucessória que se instalou após a morte do soberano, a possibilidade de
uma invasão pelas tropas castelhanas de Filipe II era real, pelo que foi
construída uma estrutura de pequenas dimensões, assente em estacaria de madeira
que, entulhada com pedras, serviu de alicerce para uma plataforma
com algumas peças de artilharia. Inevitavelmente, em 1580, a armada
inimiga destruiu o baluarte que, posteriormente foi desarmado. Paralelamente, a
fragilidade do material aliada à instabilidade do local e à acção das correntes
e marés, arruinou irremediavelmente a estrutura.
Com o domínio filipino veio a necessidade de melhorar o
sistema defensivo da barra de Lisboa, dado que esta estava permanentemente sob
a ameaça dos navios corsários ingleses. Em 1586 começaram então os estudos, a
cargo do arquitecto Giovanni Casale, para a construção de uma fortificação
definitiva. No entanto, somente após a Restauração da Independência as obras
foram dadas como concluídas: mais uma vez, a necessidade de rapidamente
defender a barra do Tejo de uma forma mais consolidada impunha-se, desta feita
para a proteger das incursões castelhanas. A conclusão dos trabalhos foi
atribuída a João Torriani, o que se verificou em 1657.
Durante este longo período existiram sempres estruturas
mais ou menos fortificadas, mas sempre pouco eficazes para o fim que se
pretendia. Entretanto, em planta datada de 1693, prevê-se a existência de uma
torre encimada por um farol que acabou por começar a operar com azeite, no
período de Outubro a Março. Esta estrutura foi destruída pelo terramoto de
1755, tendo a sua reedificação sido determinada pelo Marquês de Pombal,
entrando em funcionamento em 1775. Em 1911, o forte ainda tinha uma guarnição,
tendo inclusive servido de prisão. O nome Bugio provém da palavra francesa bougie,
que significa vela de cera ou estearina.
Em 1957 é considerado um imóvel de interesse público devido
sobretudo à existência do farol, estando a responsabilidade da sua conservação,
ou antes, a ausência dela, a cargo da Direcção-geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais. É confrangedor visitar tanta história e só vermos degradação e
paredes nuas, sem qualquer vestígio do passado a não ser na capela
quinhentista, neste estado de deterioração. Mesmo no que toca às instalações
dos faroleiros, que por lá trabalharam até 1982, restam apenas interiores, em
madeira, em péssimas condições.
Esta fotografia, de 1904, gentilmente deixada registar pelo
Dr. Joaquim Boiça, filho e neto de faroleiros do Bugio, com um entusiasmo
verdadeiramente contagiante durante as quase três horas que nos acompanhou,
mostra as gentes da Trafaria a deslocarem-se a pé para assistir à missa,
presidida pelo capelão da fortaleza, aproveitando para isso a maré baixa.